
Trouxas ensanguentadas de Artur Barrios
Nas décadas de 60 e 70, no auge da repressão que aconteceu durante os governos dos presidentes Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, o Brasil já havia se encontrado com suas próprias carnes. O artista Artur Barrios espalhava “Trouxas ensanguentadas” pelas ruas e terrenos baldios indicando o caminho dos crimes e o cheiro do sangue da ditadura.
A obra de Barrios segue atualíssima. Nos dias de hoje qualquer artista, sem tanta originalidade é claro, que empacotasse ossos, carnes e vísceras, largando-os nas ruas de qualquer cidade brasileira estaria indicando ainda o caminho dos crimes praticados no Brasil, não mais através da repressão militar, mas sem dúvida, crimes praticados no grande esgoto a céu aberto em que se transformou nosso país.
Está estabelecida uma tamanha promiscuidade entre o público e o privado capaz de destruir completamente a linha que deveria resguardar as mais básicas regras de relação entre estes dois campos.
O que é de todos e deve ser respeitado e usufruído por todos (isso é público, escrevo porque entendo que ainda não temos isso bem claro), o que é apenas meu e serve tão somente ao meu uso (isso sim é privado) e posso fazer uso como desejar.
Embora, nos dias atuais, mesmo no campo da iniciativa privada o respeito às atitudes e ao outro (consumidor/cliente) deve vir antes de tudo. Por que as autoridades e empresas brasileiras não aprendem com experiências já vividas? O presidente mundial da Toyota veio a público pedir perdão por um grande recall necessário em seus veículos. Ele se comprometeu a corrigir e melhorar seus processos. Os exemplos são muitos. A Volkswagen pediu desculpas ao mundo por utilizar um software que driblava o sistema de controle de emissão de poluentes. O CEO do Uber pediu desculpas públicas, recentemente, por tratar mal um dos seus colaboradores em uma de suas viagem utilizando seu próprio serviço.
No Brasil não. Governo e empresários culpam a polícia (pasmem) por abusos na divulgação dos fatos. E mesmo no caso de haver abuso na forma, antes houve um crime e contra a saúde pública. Esse é o conteúdo significativo.
Por que não pedem desculpas por permitir (governo) uma falha na fiscalização, com provas de corrupção de funcionários públicos, além de prenderem (empresários) pessoas da iniciativa privada que ultrapassaram e muito a linha que divide o interesse público na proteção da saúde dos consumidores, dos interesses de ganho privado.
Infelizmente as atitudes tanto públicas quanto privadas me levam a crer que ainda teremos muita carne abandonada em “Trouxas ensanguentadas” aparecendo nas ruas do Brasil. Corrupção e crime não se combate jogando para baixo do tapete. Estes cadáveres acabam aparecendo em algum momento, trazidos a tona por algum Artur Barrios em atividade.
Os brasileiros cansados de tantas “Trouxas”, esperando que tenhamos chegado ao fundo do poço e que esta seja a última, talvez devam se conformar com a realidade de um poço mais fundo do que imaginamos.
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