
Sabe quando você vê um pai ou mãe atravessando uma rua, no sinal vermelho para pedestre, correndo, arrastando um filho pequeno pela mão, carregando sacolas na outra, dando uma aula de trânsito às avessas? Ou ainda na praia quando a família, após levantar acampamento, deixa bitucas de cigarro, papel e palito de picolé, além de algumas latinhas de refrigerante repassando aos filhos uma péssima mensagem de cidadania? Você já ouviu um pai ou mãe dizer ao filho: O estudo, a cultura, a leitura são importantes, mas o mais importante é se dar bem na vida, estar por cima, fazer dinheiro, “…não seja bobo”. E quando você escuta o que pais ou parentes mais velhos dizem na frente de seus filhos – brincando é claro – sobre sexualidade, coisas como: o que os meninos devem fazer com as meninas e como as meninas devem enrolar meninos para conquistar-los, além do que se deve pensar sobre meninos que não se sentem meninos e meninas da mesma forma. Sem falar na verbalização preconceituosas dos adultos sobre outros povos, outras religiões, sobre outras cores, sobre a pobreza, a beleza ou feiura, conceitos que se tornam referências para os filhos, reféns da uma verdadeira pós-graduação em intolerância. E finalmente você já deve ter lido algo sobre a (de)formação das crianças brasileiras e da brutalidade dos estupros e da violência, onde mais de 42% dos casos são cometidos contra elas por amigos ou parentes dentro da sua própria casa, arrasando o campo emocional e psicológico destas pessoas, na maioria dos casos, para o resto das suas vidas. Ou mesmo nos casos contrários onde crianças, com uma tal superproteção, que não conhecem limites para os seus desejos e atitudes, são lentamente transformadas em tiranos mirins, que não admitem contrariedades, e quando dentro de sala de aula tenta-se corrigi-las, os pais aparecem na escola para pedir a demissão do professor.
Então refletindo sobre todas estas experiências, constatações e fatos, testemunhados por nós recorrentemente, que constituem a educação oferecida diariamente dentro da casa de um imenso número de brasileiros nós nos perguntamos: onde dará isso? E você não tem resposta.
Por outro lado, em seu dia a dia, inesperadamente você se depara com situações absurdas ou escandalosas e você está lá como testemunha ou vítima. Quando um garçom ou garçonete está limpando a mesa onde você sentará, ele passa o pano reunindo os restos de comida, deixados pelo cliente anterior, e os larga descaradamente no chão, como se fosse uma coisa normalíssima – eu me pergunto se ele ou ela fariam isso na sua própria casa? Ou ainda quando você está sentado em uma lanchonete comendo um sanduíche e entram dois policiais, que estavam fazendo ronda e saem com dois sanduíches nas mãos sem pagar por eles, porque isso faz parte de um acordo de proteção ao estabelecimento, um tipo de extorsão light. Ou ainda quando um médico, atendendo pelo Sistema Único de Saúde, solicita um pagamento – por fora – para cobrir algum tipo de custo idiossincrático. Sabe quando você matricula seu filho em escola pública e no início do ano a lista com material escolar vem solicitada por fora, uma espécie de mercado negro, dentro de um ambiente que deveria ser educativo? Você já leu sobre algum médico que abusou sexualmente de suas clientes, pelo simples fato de serem mulheres, e depois, quando denunciado, argumentou que era apenas uma maneira carinhosa de tratá-las? Então, não vamos esquecer a infinidade de assédios morais de empresários sobre seus subordinados. Da corrupção minúscula, no campo público ou privado, que cobra trocados para facilitar aquilo que seria de direito. Da manutenção e aprofundamento da “Lei de Gerson”, cada dia mais especializada, que se espraia desde a fila do banco, passando pela compra e venda de bens e serviços, dominando quase totalmente a postura no trânsito brasileiro, até atingir seu ápice na venda hipotecada, em suaves parcelas, de espaços no céu, dentro de igrejas que deveriam trazer conforto espiritual aos seus fiéis. São exemplos de atos que estabelecem a mentira como código de ética de um povo.
Então também refletindo sobre todas estas experiências, constatações e fatos, testemunhados por nós recorrentemente, que constituem a atitude cotidiana e definida como padrão por um imenso número de brasileiros nós nos perguntamos: de onde veio isso? E você não tem resposta.
Aí em meio a milhares de manchetes sobre corrupção e crimes nos governos, federal, estaduais, municipais, você se pergunta por que o meio político pratica a corrupção? Por que empresários mentem e corrompem, por que religiosos praticam o assédio, por que mulheres são abusadas nas ruas, em seus locais de trabalho, por que mendigos são incendiados nas ruas? Inocentes são atropelados nas calçadas por “carros bêbados”? Por que tantas pessoas mais pobres, simples, ingênuas, que não tiveram oportunidade, são enganadas e exploradas com tanta frequência neste Brasil desigual?
Agora sim a resposta está pronta. Você digeriu e saboreou todos os exemplos acima, tão íntimos dos brasileiros – e que, todos sabem, representam uma pálida imagem de uma realidade muito mais dura nas ruas – (e sem abordar o mundo do crime à mão armada porque aí nossa lista ficaria muito longa), e finalmente do alto da sabedoria popular, com a (des)informação processadas pela mídia, (des)organizada nas redes sociais, com direito a memes e fakes, vem o veredito: Vamos acabar com os políticos, grandes empresários, com os criminosos, vamos cerrar o judiciário e o congresso certo?
Errado. Todas as autoridades governamentais, empresariais, eclesiásticas ou mesmo da elite socioeconômica fazem parte apenas do topo da cadeia da trágica e inquebrantável corrente da cultura brasileira. Esta transmissão, do que existe de pior e mais sórdido que liga a criança de hoje ao adulto de amanhã. Liga o nosso passado colonial e escravocrata ou nosso presente colonizado e escravizado.
Não existe milagre. A pergunta a ser respondida deveria ser: por que as nossas crianças são tão mal educadas?